Vinicius Campos: “BBB: quando a televisão escancara o sadismo do Brasileiro”

10/03/2020 | Política

Vinicius Campos: “BBB: quando a televisão escancara o sadismo do Brasileiro”

Olá pessoas, estou eu aqui mais uma vez escrevendo para vocês. Como sempre, deixo claro que não sou nenhum especialista ou alguém formado em alguma coisa, sou somente uma pessoa de 21 anos que escreve sobre o que ocorre no Brasil. Dessa vez, um fato me deixou extremamente chocado a ponto de eu que não conseguir mentalizar o quão bizarro e asqueroso isso significa. No BBB atual, uma “prova de resistência”- ou seja lá qual o nome do evento em questão- basicamente replicou uma das torturas psicológicas modernas mais violentas criadas pelo ser humano: a tortura do quarto branco, em plena rede nacional. O que é essa tortura? Qual o impacto desse método em suas vítimas? É isso que quero explicar nesse texto.

Primeiramente, a tortura do quarto branco, originalmente, funciona da seguinte forma: uma pessoa, isolada em um quarto com paredes e chão brancos, usando roupa branca, tem como alimentação somente arroz branco em um prato branco e água. O quarto fica todo tempo iluminado por uma luz branca, dificultando o sono do indivíduo, e não há formas de ouvir o mundo externo ao quarto, visto que este é construído para minimizar o som exterior. Basicamente, um isolamento completo em um local branco. A “vantagem” desse método é o fato de que não há contato físico entre os agentes e a vítima, não havendo sequelas físicas causadas diretamente pelos agentes, sendo mais fácil de ser mascarada. Porém, as sequelas psicológicas são muito, mas muito problemáticas e em certos casos irreversíveis. Pessoas expostas durante longos períodos a este método de tortura desenvolveram desde sequelas físicas causadas pela automutilação, quanto problemas psicológicos, como síndrome do pânico, depressão, ou algum tipo de fobia, além de perderem a memória. Quando olhamos o modelo carcerário americano, a “solitária’’ é uma punição para detentos que cometeram uma transgressão grave dentro do presídio e não algo rotineiro e de simples aplicação, pois o isolamento possui forte impacto dentro dos humanos, por sermos seres sociais e dependentes do convívio (mesmo que mínimo) para termos um pingo de sanidade. Porém, no caso da “solitária” americana, teoricamente, não há outros potencializadores para a pressão psicológica além do próprio isolamento, diferentemente do quarto branco.

Mesmo que o isolamento não tenha acontecido, ou seja, uma série de participantes foram direcionados ao mesmo quarto, isso não diminui a gravidade dessa releitura, tanto que uma participante desistiu com menos de 24 horas de prova, após ter uma crise de pânico, ou coisa parecida. O ciclo de sono é completamente desregulado, causando alterações hormonais e elevando o nível de stress do indivíduo. Quanto mais tempo tendo um sono desregulado, menor seu nível de controle emocional, e mais irritadiço você se torna. Já li alguns relatos de pessoas que sofreram dessa tortura não por horas ou dias, e sim semanas, e o nível de stress mental foi tão elevado, que o indivíduo chegou a se mutilar para simplesmente usar o sangue e “pintar” uma região do quarto com algo que não fosse branco, ou utilizar as próprias fezes para fazer algo parecido.

Fazer uma alusão a algo tão violento e desumano em rede nacional como se fosse uma brincadeirinha, ou uma “prova de resistência”, sinceramente, para mim é um sintoma de que nós brasileiros (já que eu nunca ouvi falar de coisa parecida em outro lugar no mundo), como sociedade, estamos mortos. Não somente fazer uma paródia de uma tortura, mas usar como forma de entretenimento de massa, e haver tão poucos questionamentos sobre o quão absurdo e doentio é uma coisa dessa. É algo que foge da esfera da percepção de “intrigante” ou “revoltante”, por ser inimaginável uma coisa dessas acontecer com tanta naturalidade. Alguns anos atrás, o BBB não era nada mais nada menos que um programa meio idiota, meio besteirol que, sinceramente, assistia quem quisesse e você assistir, ou não, não seria algo que definiria seu perfil como indivíduo. Não me lembro de polêmicas tão absurdas feitas pelos próprios organizadores do programa quanto essa (apesar de o quarto branco já ter sido usado mais de uma vez, aparentemente, o que só corrobora o ponto de que definitivamente nós como sociedade estamos fazendo besteira).

E agora fica um questionamento: Se nem mesmo uma tortura (ou melhor, uma “releitura” de uma tortura) coletiva exposta em rede nacional gerou questionamento suficiente sobre a naturalização da violência, o que exatamente irá gerar? O fato em si já é completamente absurdo, mas o que ele mostra é que nós, como sociedade, adotamos a violência real, e não a encenada, como forma de passatempo. Comentamos sobre como uma pessoa teve uma crise de pânico dentro de uma sala de tortura, não questionando o método, e sim as implicações dessa crise dentro dos “Brothers”, ou seja, lá como se chama o bando de participantes desse programa, ou qual foi a consequência sofrida para a participante, dentro do contexto do programa, depois de ter surtado em plena rede nacional. Em uma das minhas leituras recentes, Foucault diz que a execução de penas capitais em praça pública foi aos poucos sendo extinta pelo Estado por ser considerado uma “fagulha para a violência”, ou uma forma de “normalização da violência”. Imagino o que ele diria se estivesse vivo, e olhasse um programa de rede nacional, em um país de 210 milhões de habitantes, transmitindo tortura psicológica bruta com viés de puro entretenimento, e nada mais. Com toda certeza, a “normalização da violência” seria um elogio perto de tamanha barbaridade.