Vinícius Campos: “Lulismo e Bolsonarismo: uma história e um momento”
Olá meus caros, aqui estou eu escrevendo novamente. Como sempre, devo avisar que não sou formado em alguma coisa, nem possuo títulos de mestrado ou coisa parecida, só estou fazendo um artigo de opinião fundamentada, aberto a discussões. Hoje, venho discutir um tema que me incomodou muito, mas muito. Diversos influenciadores e produtores de conteúdo da internet, em especial um mais famoso, do canal coisadenerd, conseguiu se tornar um dos assuntos mais discutidos do twitter, ao comparar o Lulismo com o Bolsonarismo. Colocando ambos como um simples movimento messiânico tradicional do Brasil. Lados opostos do mesmo fenômeno. Assim, com todo o respeito a quem é da Ciência Política e estuda, ou estudou esses movimentos, mas eu não consigo conceber a ideia de que o Lulismo e o Bolsonarismo são somente “dois movimentos messiânicos iguais”. Então, venho aqui com o único objetivo de defender uma tese: Por que o lulismo é um fenômeno social infinitamente mais complexo e duradouro que o bolsonarismo?
Eu tenho um certo incomodo com a expressão “messianismo”. Em geral, ela é usada para resumir três movimentos históricos; o Getulismo/Varguismo; o Lulismo; e o Bolsonarismo. Olha, sinceramente, a única coisa em comum nesses três movimentos, para mim, é o surgimento de um líder como resposta ao status quo vigente e só. Se somente esse fator faz com que estes movimentos sejam “messiânicos” ou não, cada um que tire suas próprias conclusões. Porém, independente da resposta, considero uma ideia extremamente reducionista afirmar uma igualdade entre estes movimentos. Cada um dos três movimentos apresentam contextos de formação diferentes, sejam estes nacionais ou internacionais, estes movimentos possuem uma base de formação composta por diferentes camadas da sociedade (talvez o Getulismo e o Lulismo sejam de certa forma parecidos nesse aspecto, mas o Bolsonarismo, definitivamente não possui nenhuma relação com estes dois), os próprios líderes possuem características diferentes em seus discursos. Então, eu pretendo discutir um pouco sobre o Lulismo e o Bolsonarismo (discorrerei um pouco sobre o Varguismo posteriormente, pois esse movimento é historicamente muito complexo, deixando esse artigo desnecessariamente extenso) por constituírem a história recente. Nesse texto, partirei do pressuposto que tanto o Lulismo quanto o Bolsonarismo são movimentos sociais que possuem como líder de massas um messias, para simplificar um pouco a minha vida na hora de discutir esse assunto.
A ideia de um movimento messiânico é relativamente simples de entender. Em um contexto socialmente ruim, alguém surge, supostamente de forma mágica, com um discurso de que tudo pode ser resolvido, desde que todos me obedeçam; e o povo, por falta de opção, acaba aceitando este líder. No Brasil, até onde eu consigo me lembrar, as primeiras ideias de um líder messiânico surgiram dentro da chamada república oligárquica, na guerra de Canudos e na revolta do Contestado. Não destrincharei essas revoltas, mas, em ambas, houve o surgimento de um indivíduo que convenceu uma quantidade razoável de pessoas a se juntarem em torno de suas ideias, porém, em uma escala local e bem reduzida.
Lula definitivamente é um líder que surgiu de baixo para cima, no sentido de que este era meramente um sindicalista semianalfabeto, filho de pais analfabetos. Através do sindicalismo, Lula foi a base para a criação da CUT, do PT, e praticamente consolidou a esquerda brasileira em prol de um objetivo, mesmo com certas diferenças ideológicas. Lula conseguiu um feito gigantesco, ao estender Lulismo a tal ponto que a ideia, em um determinado momento, se transformasse em algo maior que ele mesmo.
Mesmo após o fim da ditadura militar, em 1984, o Brasil ainda sentia as consequências do autoritarismo, tanto politicamente quanto economicamente. Até o governo de Fernando Henrique, a inflação era tão absurda que governos chegaram a substituir a moeda nacional cinco vezes, em um espaço de incríveis oito anos. Isso é algo tão difícil de se imaginar que chega a parecer uma piada. Fernando Henrique, através do Plano Real, criou uma paridade cambial com o dólar e a nova moeda nacional, o Real (criando uma série de consequências absurdas para a economia interna). Não estou dizendo que havia um jeito menos ruim ou mais prático de concertar o problema cambial do Brasil, afinal, a situação fiscal do país no período da redemocratização era dramática a um ponto onde parecia ser uma piada de mal gosto a realidade onde nos encontrávamos. Após alguns escândalos no segundo governo de FHC, Lula, o sindicalista semianalfabeto, chega à presidência do país.
Se Getúlio Vargas foi intitulado “pai dos pobres”, eu não sei o título possível para Lula, sinceramente. Eu não estou dizendo que o governo Lula foi perfeito e que ele fez tudo de maneira 100% eficiente. Alguns programas sociais, que no papel pareciam ser perfeitos, apresentavam falhas, ou poderiam ser aprimorados, como o Minha Casa, Minha Vida, o Ciência Sem Fronteiras, o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e, até mesmo, o Bolsa Família (não entrarei em detalhes sobre cada um dos programas, já que esse não é o objetivo do texto). Algumas obras também foram apresentadas como uma ideia excelente, mas na prática, mostraram-se extremamente complexas de serem feitas, sendo a mais polêmica a transposição do Rio São Francisco. Efetivamente, a marca do governo foi a ascensão social promovida pelo consumo. Famílias pela primeira vez podiam ter um carro, ou uma casa decente, ou uma geladeira, ou uma televisão. Isso, do ponto de vista teórico e filosófico pode ser criticado. Mas, do ponto de vista da população, era algo praticamente inacreditável. O fato de a teoria econômica e social ser importante, não exclui a importância da realidade material dessa transformação. Índices como o coeficiente Gini alcançaram marcas históricas mostrando que, de fato, a desigualdade estava diminuindo. O número de institutos técnicos, faculdades federais aumentou de forma exponencial. Apesar de todos os erros, apesar do mensalão em 2008, apesar da crise de 2008 (que destruiu milhares de famílias nos EUA e faliu diversos bancos no mundo), a marca deixada por Lula dentre aqueles que se beneficiaram de suas políticas será algo no mínimo inesquecível. Lula alcançou um marco onde suas ideias e seus ideais são maiores que ele próprio. A ideia de nação onde o pobre poderia estudar, onde todos poderiam participar do mercado consumidor, realmente fez efeito, e marcou milhões de pessoas. Como disse, se Vargas foi intitulado “pai dos pobres”, não sei ao certo o título que Lula deveria receber. O Lulismo, assim, surgiu composto por dezenas de milhares de pessoas beneficiadas pelo assistencialismo e por uma tentativa de garantir dignidade a todos.
Mais recentemente, surgiu o Bolsonarismo. Efetivamente, o maior problema do modelo de ascensão baseado no consumo proposto pelo PT é sua completa dissolução em caso de uma crise sistemática. Basicamente, se entrarmos em uma crise econômica, ela vai ser ainda mais forte, não só por seus efeitos imediatos, mas também por quebrar todo o ciclo de consumo do mercado interno, afetando todos os setores e todas as classes sociais. É um ciclo onde a falta de investimento reduz o emprego, a redução do emprego reduz o consumo, e a redução do consumo reduz o investimento. Bolsonaro, um deputado que de vez em quando aparecia na internet por falar alguma besteira, durante o impeachment da presidente Dilma, em uma fala no mínimo deplorável, digna de prisão, homenageia o torturador Ustra; um dos agentes mais desumanos do DOI-CODI na ditadura, torturador de centenas de pessoas, incluindo Dilma. Nesse momento, Bolsonaro conseguiu o mínimo dos holofotes para crescer.
Eu devo reconhecer que o Bolsonarismo foi um movimento extremamente articulado. Sua capilaridade é absurda. Além da presença de um número inimaginável de contas falsas, atacando diversos opositores, sua milícia digital é igualmente grande. Eu não entendo ao certo o motivo de a direita, dentro da Internet, em especial dentro de redes sociais como o Facebook e o Twitter, ser tão grande em comparação com a esquerda. Outro problema é a incapacidade da esquerda brasileira atacar suas ideias, e focar somente em seu discurso. Suas falas obscenas e preconceituosas foram repercutidas em todas as camadas da Internet, espalhando a ideia de um político que não possui “papas na língua”, ou criando a ideia da existência de uma esquerda dissimulada que editava os vídeos para prejudicar um político da oposição. Em vez de focar especificamente em sua carreira política insignificante, demonstrando, por exemplo, a quantidade irrisória de projetos aprovados ao longo de sua vida política no legislativo, a oposição ao deputado militarista e radical focava mais em repercutir suas falas obscenas e dissimuladas.
Eu não consigo definir ao certo quando surgiu a ideia do Bolsonaro presidente do Brasil. Não sei se inicialmente surgiu como uma brincadeira da Internet, ou se surgiu através de sua base cada vez maior de apoiadores. Isso é de fato algo a ser estudado de forma mais profunda. Mas, em algum momento, essa ideia se tornou relevante o suficiente para convencer o próprio Bolsonaro a montar uma estratégia política em busca da presidência. Sinceramente, o contexto político do surgimento do Bolsonaro deve ser um dos mais caóticos que esse país já presenciou. A operação Lava Jato, com seus inúmeros absurdos e shows midiáticos, conquistou uma legião absurdamente grande de apoiadores, ao mesmo tempo em que diminuía de forma considerável a confiança da população nas instituições democráticas e nos partidos políticos tradicionais, ao mesmo tempo em que provocava mais prejuízos às empresas do que a própria corrupção investigada pelos agentes. Empresas como a Odebrecht e a Petrobras sofreram prejuízos financeiros extremamente altos devido ao modo como a Lava Jato executou suas investigações (para ficar claro, eu não sou a favor da corrupção, ou contra a investigação da polícia, ou qualquer discurso raso do gênero. Eu somente sou a favor de uma investigação que prenda o corrupto e não destrua a empresa no processo). A crise econômica se aprofundava, e medidas do governo Temer, como a reforma trabalhista, aumentaram ainda mais o nível de desigualdade. Então, Bolsonaro capitalizou todas as bases ao mesmo tempo. Gritava aos céus que o PT era comunista, cheio de corruptos, que estragou o país, e qualquer outra asneira do gênero, e ele, o salvador de todos, concertaria o país (disse exatamente a mesma coisa na comparação do Bolsonaro com o Maduro). A bomba para selar de vez a vitória do Bolsonaro foi a prisão de Lula. Com Lula preso, a vitória de Bolsonaro era garantida. Juntando o antipetismo da classe média, as consequências da crise principalmente entre os menos favorecidos, e o conservadorismo moral de parte do cenário católico/evangélico do Brasil, Bolsonaro surgiu como o novo salvador da pátria.
Eu tenho a impressão de que o chamado “messianismo” em relação ao Lula possui algo que o Bolsonarismo nunca aparentou possuir: uma ideia, ou melhor, um sonho de construir uma nação. Para mim, o messias não só precisa juntar as massas, mas tem de apresentar a elas uma ideal que será obtido somente através da luta, ou da resistência, ou de qualquer coisa semelhante, e isso definitivamente aconteceu com o Lulismo. Mas, quando observo o Bolsonarismo e outros movimentos de extrema direita ao redor do mundo, eu não vejo esse ideal. Eu não presencio um sonho, vamos dizer. Bolsonaro criou sua base atacando literalmente tudo e todos que possuíam algum pensamento minimamente progressista, e prometendo fazer melhor que os supostos corruptos que destruíram o Brasil. A questão central não é saber como ele irá fazer, quais medidas irá tomar; até por que, é provável que nem mesmo ele saiba responder. Tudo o que foi apresentado em sua campanha foi um monte de ideias genéricas surfando na onda do antipetismo e da crise econômica. Nunca propôs construir algo, somente destruir o que já foi criado. O ponto mais importante é: qual é o sonho que ele tem para a nação? Presumindo, é claro, que ele realmente tenha um.