Vinicius Campos: “Socialismo e capitalismo: da teoria à prática”

28/11/2019 | Política

Olá meus caros! Estou aqui escrevendo novamente. Como sempre, já aviso que este texto é meramente uma opinião fundamentada, aberta a discussões. Dessa vez, irei falar sobre um tema muito recorrente dentro da oposição: o socialismo, e a crença cética de que o capitalismo é superior ao socialismo, ou que o socialismo é superior ao capitalismo. Efetivamente, o que é socialismo? O que é comunismo? O que é liberalismo? O capitalismo, de fato, é melhor que o socialismo? Qual foi o impacto do socialismo dentro do capitalismo?

Eu, inicialmente, iria escrever sobre o mito que corre no Brasil, desde o governo Vargas, lá em 1930, de que o comunismo/socialismo iria chegar ao Brasil, ou que um golpe socialista iria ocorrer. Mas percebi que não faz absolutamente o menor sentido fazer isso, sem antes explicar o mínimo do mínimo sobre o que é o socialismo e o comunismo. É comum a oposição mais radical olhar para qualquer partido de esquerda hoje, e gritar: Comunismo! Cuba! Venezuela! Entre outras loucuras. Eu fico bastante intrigado com isso, porque, bem, a pessoa sequer sabe o que é comunismo, mas ela aponta para um país e diz que aquilo é exemplo de comunismo.

Mas vamos começar explicando de forma bem básica, alguns conceitos. O termo socialismo, originalmente, foi cunhado pelo autor Thomas More, em 1516, quando esse defendia uma sociedade baseada na propriedade comum. Entretanto, posteriormente, sofreu certas adaptações, através de ideias iluministas, quando foi apresentado uma divisão igualitária dos bens, e melhores condições de trabalho. O comunismo foi cunhado pelo filósofo Karl Marx, autor do primeiro volume da obra “O capital”, e seu amigo Friedrich Engels, coautor dos volumes dois e três da obra, na qual Marx destrincha todo o modelo liberal capitalista, mostra suas contradições, e leva como proposta a formação do socialismo; um sistema em que inicialmente os bens de produção são coletivos (definição extremamente resumida, para mais detalhes, é indicado um pouco mais de pesquisa); para eventualmente este evoluir para o comunismo, um sistema no qual a sociedade não possui a ideia de classe (a ideia da divisão entre trabalhador e patrão, entre burguesia e proletário, etc.), e o Estado divide de acordo com as necessidades individuais a produção. Ou seja, o socialismo é um estágio de organização anterior ao comunismo (o comunismo, do modo como foi teorizado, nunca existiu).

Do mesmo modo que o socialismo, a ideia do liberalismo também surgiu através de um conjunto de teorias que foram reorganizadas, elaboradas e construídas em torno de uma grande obra chamada “a riqueza das nações”, de autoria de Adam Smith, considerado o “pai” do liberalismo moderno. Suas ideias moldaram o capitalismo e a economia na modernidade. A ideia central de Smith é praticamente o extremo oposto da ideia central de Marx. Smith acreditava que o interesse individual é o motor que cria a riqueza e a inovação tecnológica. Uma das ideias mais repercutidas entre os liberais, a chamada “mão invisível do mercado”, é o fator regulador de aspectos como o preço de determinados produtos: muita demanda, preço alto; baixa demanda, preço baixo. A noção de Estado Mínimo também surgiu através de certos pensamentos de Smith, pois este considerava que o Estado não deveria intervir na economia.

Porém, é muito importante entender o contexto em que ambas as obras foram criadas. Não havia internet, não haviam institutos igual ao IBGE, fornecendo dados estatísticos. Não haviam meios de fazer previsões econômicas razoavelmente confiáveis, e a macroeconomia foi destruída e reconstruída uma quantidade razoável de vezes, devido à todas as guerras, crises e inovações tecnológicas que a humanidade vivenciou nos últimos 150/200 anos. Tanto Marx quanto Smith (principalmente Marx) fizeram previsões sobre o funcionamento do sistema e da sociedade baseada no presente onde viviam, com pouca base de dados para avaliar o passado e o futuro. Então é no mínimo ÓBVIO constatar que há uma série de erros conceituais e teóricos em ambas as obras.

Marx, de longe, possui mais erros teóricos que Smith, pois este se arriscou a uma série de previsões futuras tomando como base somente na realidade local da Inglaterra onde vivia. Dentre seus maiores erros, este acreditava que o capital se acumulava de forma infinita; ou seja, os ricos ficariam mais ricos com o passar do tempo, de forma infinita (não irei entrar em detalhes economicistas aqui. Para eu explicar o porquê de isso estar errado, seria um monte de termos de economia, que não acho que fazem sentido serem dispostos aqui). Hoje se sabe que há um limite para o acumulo de capital. Um limite muito alto, extremamente desestabilizador, mas não infinito. Marx acreditava também que não haveria possibilidade de uma revolução técnico-científica duradoura (afinal de contas, ele estava presenciando uma revolução industrial, e os trabalhadores ainda viviam numa miséria extrema). Hoje, se sabe que para que o capitalismo funcione de maneira minimamente correta, ele TEM que se expandir. É um sistema que constantemente inova, se transforma. Se o crescimento da economia de um país for baixo, em uma grande quantidade de contextos isso não significa algo positivo. As revoluções tecnológicas que ocorrem dentro do sistema são basicamente uma adaptação do modo de produção capitalista, frente a um modo de produzir potencialmente ultrapassado. (Modo de produção e modo de produzir são conceitos diferentes).

Smith, por outro lado, concentrou muito de seus esforços em criar um entendimento material do sistema. Descobrir a lógica por trás do funcionamento do capitalismo. Um exemplo seria a lei de oferta e demanda. O preço das mercadorias pode variar conforme a oferta dos vendedores, ou a demanda dos compradores. Isso é uma lei, isso é um fato. A chamada “mão invisível do mercado” condiciona o preço das mercadorias conforme o contexto econômico. Bem, o problema da teoria de Smith, genericamente, é o fato de que principalmente a macroeconomia mudou muito ao longo da história. Imagino que Smith não conseguiu observar de forma plena a existência de carteis, ou de trustes, ou de holdings; práticas completamente antimercado. O livre mercado, na teoria, incentiva a competição entre empresas, favorecendo o consumidor. As empresas buscam o melhor produto, o melhor custo-benefício, tudo para conquistar o consumidor. Bem, o que vemos na prática é um grupo reduzido de empresas dominando um mercado nacional ou internacional, eliminando a possibilidade de qualquer tipo de concorrência. Vamos pensar no ramo alimentício: é possível uma empresa surgir do zero para competir com a Nestle? ou com a Coca Cola? eu pessoalmente acho muito difícil. E isso se aplica a diversos ramos e setores da economia global.

Entendemos que ambos os autores, de forma bem resumida, possuem certos erros e acertos, sejam conceituais ou teóricos, em suas obras (obviamente uma pessoa mais especializada no assunto pode descrevê-los de maneira muito mais precisa. Aqui, só estou focado em exemplos mais simples). Agora, podemos responder uma questão central desse texto: o capitalismo é de fato melhor que o socialismo?

É importante destacar alguns pontos: o primeiro, e mais importante, é que há uma diferença absurdamente grande entre a teoria e a prática. Até onde eu conheço de Marx, ele provavelmente não apoiaria um ditador igual Stalin, ou alguém igual o Maduro (se é que dá pra chamar Venezuela de socialista). Adam Smith, por ser a favor do liberalismo, imagino que não concordaria com regimes autoritários como foram as ditaduras latino-americanas (não sei ao certo como ele levava a ideia do Estado Mínimo para dentro da vida social, mas imagino que isso seja no mínimo coerente). Existem centenas de experiências malucas onde ambas as teorias deram errado, mas é extremamente importante destacar que tanto Marx quanto Smith não podem impedir o resto da humanidade de interpretar suas ideias da forma como lhes convêm. Então, é realmente complexo afirmar de forma crua que o liberalismo proposto por Adam Smith é melhor em todos os pontos que o socialismo/comunismo proposto por Marx por que a URSS foi um fracasso e agora o mundo inteiro é capitalista. Essas problematizações das teorias, e pontos positivos e negativos de ambas cabe mais aos teóricos da academia discutir.

O fato de o mundo inteiro (ou melhor, o mundo inteiro menos a Coreia do Norte, a “China”, Cuba e “Venezuela”) ser capitalista, não significa que o sistema não tenha sido influenciado de alguma forma pelo socialismo, ou que liberalismo é melhor que socialismo e fim da história. Se compararmos o capitalismo pós-guerra fria com o capitalismo pré-crise de 1929 e alguém por algum motivo afirmar que estes dois períodos funcionavam da mesma forma, seria no mínimo ridículo.

A maior conquista do socialismo não é ter funcionado em algum lugar, ou ter ganhado alguma coisa. Sua maior conquista foi ser efetivamente o primeiro modo de organizar a sociedade e a economia contrapondo o capitalismo. Nunca houve um sistema tão grande e tão ameaçador (tanto ideologicamente quanto militarmente) ao capitalismo quanto o socialismo. O simples fato de a Revolução Russa ter derrubado a monarquia czarista em 1917, foi o suficiente para diversos países ao redor do mundo criarem ao menos uma base de regulação do trabalho, oferecendo proteção e direitos ao trabalhador, temendo a possibilidade de movimentos operários diversos surgirem no território nacional, inspirados na Revolução Russa. Até mesmo os EUA, durante o New Deal, no governo Roosevelt, criaram uma série de legislações trabalhistas, que foram aprimoradas com o passar do tempo. Durante o Estado Novo, no governo de Getúlio Vargas, este aprovou a CLT, garantindo uma série de direitos aos trabalhadores (ao mesmo tempo que proibia a formação de sindicatos, ou seja, a massa se contentava com a CLT, e os grupos opositores do governo seriam controlados de forma direta).

Posteriormente, a presença do regime socialista na Rússia foi usada como pretexto para uma série de golpes militares, principalmente dentro da América Latina, com apoio do governo americano, através da chamada operação condor. Desde a década de 1960, vivíamos sob a Guerra Fria, uma disputa política e militar entre EUA e URSS. Através das ditaduras, os norte-americanos garantiam o controle da América do Sul, impedindo qualquer influência russa no continente.

Mesmo com o fim da Guerra Fria e o desmantelamento da URSS, as mudanças que ocorreram no sistema capitalista, em especial entre a década de 1930 e 1960, permaneceram. Mesmo com períodos conturbados na política internacional, como a chamada revolução conservadora, que elegeu Margareth Thatcher no Reino Unido, e Ronald Reagan nos EUA, o sistema capitalista adquiriu um pouco mais de racionalidade devido à seus enfrentamentos com o regime socialista. O sistema percebeu, ao menos por um momento, que a exploração contínua das massas, baseadas na força bruta, talvez não fosse a melhor ideia para fomentar o Status Quo. Há a necessidade de concessão, mesmo que esta não tenha sido feita por “bondade do sistema”, e sim pelo medo de uma ideia (seja lá qual ela for) irromper em alguma camada social, desestabilizando tudo que está ao seu redor.